23 março 2006


É a tal varanda, a varanda que me deixa observar.
Desde Setembro que estou na Batalha e que faço diariamente meia hora a pé. Observo e admiro. Admiro a preservação da identidade local com a reconstrução de casas baixas e a manutenção de um espaço antigo que cresceu à volta da obra magnífica que é o Mosteiro. Digamos que é uma geometria de oportunidade que se movimenta entre o volume que deu forma a este espaço. Há apartamentos novos, há uma câmara municipal, bastante contrastante com o resto em termos arquitetónicos, mas que não escapa em altura (nada pode ser maior ou igual ao mosteiro) e que não cresceu com azulejos, porque aqui é a pedra que impera. Tudo isto cohabita com o passado e em harmonia porque a diferença poderá ter sempre o seu lugar. Não foi preciso destruir para crescer e ser moderno. Foi preciso sim, preservar as referências passadas para identificar o presente!
Porque é que outros locais não são assim?
Devemos olhar os locais e vermo-nos a nós próprios enquanto agentes da mudança. Está lá o melhor e o pior de que somos capazes. As cidades, as vilas e as aldeias são feitas de nós, e da arquitetura difícil das nossas emoções e vontades. Os 'locais', sejam vilas ou cidades, são o produto de quem as habita e de quem as dirige. É nas cidades que projectamos as nossas maiores ambições e a grande ousadia dos nossos ideais.
Portugal é um país de novos ricos e de ignorantes pretensiosos. Qualquer um pode ter lugar numa câmara ou numa junta de freguesia e decidir, desde que para isso tenha sido fiel ao partido. Depois, ainda há a dança das cadeiras que altera tudo sem critério, desde que se contrarie o percurso anterior. A mediocridade banaliza-se e torna-se normal. O mau gosto alastra e tudo se confunde. Esperteza com falta de carácter e ambição com oportunismo.
É lamentável que muito do que nós fomos e devíamos continuar a ser tenha irremediavelmente desaparecido. Continuaremos a ser sempre um povo que se miscigeniza e descaracteriza.

1 Comments:

Blogger Henrique said...

Bela reflexão!
E eu que te estive para ligar a esta hora (a do post), mas achei que já seria tarde e que já estarias a dormir!
Beijos

3:12 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home